A garotinha, ali
parada com olhos estatelados naquela imensidão de arranha-céus. Objetos mais
pesados que o ar passando sobre seus olhos de um lado pro outro. Em suas mãos,
comprimidos entre o peito aquele livro pesado e antigo que acabara de emprestar
na biblioteca municipal. Boquiaberta com aquelas magníficas construções
arquitetônicas datadas em décadas anteriores, o percurso de sua casa até a
biblioteca não durava mais que 20 minutos. Porem encarava tudo como uma questão
de vida ou morte. Temia atravessar aquelas avenidas compridas e enigmáticas.
Mas não se via sem os livros. Eram lhe os únicos companheiros.
Elisa era uma
menina miúda, dos olhos amendoados, face pequena e lábio rosado. Se quer olhava
nos olhos dos outros, a não ser quando esses não a os encaravam. Era apática.
Nunca teve nem ai pra nada. Só para seus livros e seu gato a quem chamava de
“gato de botas” por conta das fabulas que lia. Houve um tempo em que até tentou
com que o bichano usasse umas botinhas de tricô que a avó havia feito, mas o
gato se quer parava em pé com elas. Lisa, como os entes a chamavam era
conhecida na família por seu jeito acanhado e excêntrico de ser. Não gostava de
datas festivas, em certa ocasião, no seu aniversario de 9 anos cortou e comeu
um pedaço do bolo escondido só para não ter que cantar parabéns. Pois não havia
formalidade mais chata que essa canção inibidora proporcionava.
Lisa muitas
vezes se perdia dentro de casa, pois o único cômodo que tinha total intimidade
era o quarto onde dali conhecia muitos lugares, mundos que se quer existiam
para pessoas obcecadas. Certa vez, em uma dessas viagens chegou a sentir a neve
fria a tocar lhe o nariz. Só permitia descer da cama e dos sonhos quando ruídos
internos a despertavam. Era a natureza dizendo que precisava comer.
A menina estava
a ler agora um clássico da literatura portuguesa onde o autor deixava explícito
a cegueira cotidiana que nos acerca.
E assim, tão de
repente como um estalo, Lisa percebeu que mesmo conhecendo vários lugares
ficcionais ou não, faltava-lhe algo. Como se tudo que vira até ali fossem
historias narradas pelos outros, mas nunca a sua. Estava se deparando com o
abismo da inutilidade. Sentia que faltava o conhecimento empírico.
Lisa não sabia
direito a cor dos olhos de sua própria mãe...