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segunda-feira, 16 de abril de 2012

Identidade


  A garotinha, ali parada com olhos estatelados naquela imensidão de arranha-céus. Objetos mais pesados que o ar passando sobre seus olhos de um lado pro outro. Em suas mãos, comprimidos entre o peito aquele livro pesado e antigo que acabara de emprestar na biblioteca municipal. Boquiaberta com aquelas magníficas construções arquitetônicas datadas em décadas anteriores, o percurso de sua casa até a biblioteca não durava mais que 20 minutos. Porem encarava tudo como uma questão de vida ou morte. Temia atravessar aquelas avenidas compridas e enigmáticas. Mas não se via sem os livros. Eram lhe os únicos companheiros.
  Elisa era uma menina miúda, dos olhos amendoados, face pequena e lábio rosado. Se quer olhava nos olhos dos outros, a não ser quando esses não a os encaravam. Era apática. Nunca teve nem ai pra nada. Só para seus livros e seu gato a quem chamava de “gato de botas” por conta das fabulas que lia. Houve um tempo em que até tentou com que o bichano usasse umas botinhas de tricô que a avó havia feito, mas o gato se quer parava em pé com elas. Lisa, como os entes a chamavam era conhecida na família por seu jeito acanhado e excêntrico de ser. Não gostava de datas festivas, em certa ocasião, no seu aniversario de 9 anos cortou e comeu um pedaço do bolo escondido só para não ter que cantar parabéns. Pois não havia formalidade mais chata que essa canção inibidora proporcionava.

  Lisa muitas vezes se perdia dentro de casa, pois o único cômodo que tinha total intimidade era o quarto onde dali conhecia muitos lugares, mundos que se quer existiam para pessoas obcecadas. Certa vez, em uma dessas viagens chegou a sentir a neve fria a tocar lhe o nariz. Só permitia descer da cama e dos sonhos quando ruídos internos a despertavam. Era a natureza dizendo que precisava comer.
A menina estava a ler agora um clássico da literatura portuguesa onde o autor deixava explícito a cegueira cotidiana que nos acerca.

  E assim, tão de repente como um estalo, Lisa percebeu que mesmo conhecendo vários lugares ficcionais ou não, faltava-lhe algo. Como se tudo que vira até ali fossem historias narradas pelos outros, mas nunca a sua. Estava se deparando com o abismo da inutilidade. Sentia que faltava o conhecimento empírico.
Lisa não sabia direito a cor dos olhos de sua própria mãe...